domingo, 21 de julho de 2013

Rio de Janeiro

Havia duas saudades que me apertavam o peito, sem orgulho algum, e uma delas vinha-me em mente quando me lembrava de minhas caminhadas, em passadas calmas, pela estação do Arcoverde. Copacabana sempre fora um requinte, um assombro de vaidade e prosa carnavalesca. Eu me enganara quanto ao Rio de Janeiro, e sinto falta de minha estadia por lá.
          Não podia-se resumir o litoral às putas que vendiam-se sem pudor ou verso pelas calçadas. Isso era apenas questão de poucos devaneios, com os quais o ar mineiro não mantinha laços muito exuberantes. Ainda depois tudo, exalava-se um odor praieiro e salgado, muito bonito, pelas areias de Ipanema, onde outrora transitara uma garota que fora foco de melodias. Não devo dizer muito sobre Tom e Vinícius, pois suas notas de famílias boêmias soavam como perfeitas glórias de meu tempo, e de outros que desejei contemporizar.
          A modernidade escondia, de certa forma, a bossa nova, o calor dos anos 60 e gritos da guerra civil. A cidade maravilhosa consumiu cada ponto infame e maravilhoso que pude conhecer em aglomerados tantos, e rendeu muitas linhas para que eu pensasse e procriasse ideias.
         Era assim o Rio de Janeiro, com toda sua pompa litorânea. Tenho saudades. Foram maus julgamentos.

R.VillasBoas

terça-feira, 9 de julho de 2013

Porquês

Roseli e Lídia haviam me ensinado literatura como ninguém; a mais pura delas. Eu podia sentir os versos de Camões e Gil Vicente entrando e cantando em meus ouvidos, à medida em que o teórico de sonetos e prosopopeias dançava sobre mim.
          Cristiano Moreira foi o que pude chamar de um simpático e querido glossário, no qual pude expor minhas melhores ideias. Éramos, talvez, uma sátira física que desdenhava sobre os requintes da sintáxe. Digo, pois a conformidade de amar  padrão, o léxico e o tradicional era uma reciprocidade.
          Antes deles, ou juntamente, vieram os deuses a que pude fazer reverência: os que escreviam, que haviam sido para mim o poço de toda influência e admiração.


R.VillasBoas

domingo, 16 de junho de 2013

A Terceira Epístola

Noite de Solstício - em algum lugar frio do Pacífico

Olavo, sua falta de notícias me preocupa. Há pouco recebi um pergaminho vindo do norte em que jaziam algumas palavras muito trêmulas de Emiliana - sua coroa está em ameaça. Estamos sob vistas cegas.
        Nossa estadia pela Austrália foi bem mansa por alguns dias. Amarramos laços com Gertrude, uma velha desprovida da perna esquerda que recebeu-nos muito bem. Disse-nos um tanto sobre as costas do mar do leste que começa a se fechar, e também a respeito dos corsários que haviam nos seguido. Como eu previ, os kappas eram mesmos os bodes expiatórios.
          Arthur faleceu pela madrugada de ontem. Ainda não conseguimos nos livrar do corpo, pois Baelfire deseja fazer suas pesquisas em cima disso.
          Por enquanto, esperamos poder prosseguir nossa rota, quebrando as linhas para a Grécia, a fim de procurarmos a tal raspa de lenha bruta para salvar toda a tripulação.
          Não nos deixe mais aflitos. Diga-nos algo, mande-nos as novas. E, a propósito, relate algo sobre um tal Alfred Filtesgurkinn, que está habitando suas terras.

Edgard M.
[Rafael Villas Boas]

A Morte do Tamalêico

Eu gostava muito de andar pelas estradas daquela província. Mamãe dizia que tudo aquilo é um resquício vivo em que vivera meu bravo avô, Sérgio de Alacamba Albuquerque dos Alqueires Santos. O velho vivera por ali anos incontáveis, veterano das guerrilhas que partilhavam terras e outros capitais.
          As veredas que cortavam de norte a sul o Rio Tamalêico nunca haviam sido rígidas em suas revoltas claras. A morte de meu avô rendera bons protestos (dizem que até um bando nocivo de árvores indulgentes reuniram-se em seu favor).
          Minha mãe era o tipo de pessoa que costumava anotar tudo o que via, visto que cada pedra que ficava pelo chão, às margens do Tamalêico, já me eram muito familiares pelos versos que se encontravam em seu caderno brochura muito velho e amarelo.
          Ainda que cansativo, perambulei por lá mais algumas vezes, curioso e absorto. O que vi foi chocante: haviam cortado todas as árvores de seringueira e de amora. As cabanas de caça já estavam ao vento há muito tempo. Fumaça subia como nunca, e um bando de crioulos e bárbaros dançavam próximos ao leito morto.
          Corri, fugi. Minha mãe nunca poderia saber disso.

R.VillasBoas

terça-feira, 21 de maio de 2013

A Segunda Epístola

Décimo terceiro dia de Agosto - Sul da Austrália

Olavo Dimitri, meu amigo, não sei realmente como relatar o quão belo é o sul do novo continente. O arvoredo presente aqui diferencia-se muito do que estamos acostumados. Chegamos há cerca de uma semana, e somente agora pude conseguir algumas folhas de papel. Fugíamos de uma matilha curiosa e também de um coletivo grande de cangurus assustadíssimos. O veleiro estacionou-se quase que por si só na margem pouco acidentada.
          Esbarramos com três corsários vindos do norte. Seguiram-nos por duas noites até que uma tempestade os afugentou. Ouvi dizer que foram engolidos pelo mar da Arábia, onde dois kappas de tamanhos inacreditáveis os engolfaram. Pensamos que os mesmos são bodes expiatórios do último Império de Expoentes. É o que nos vem à cabeça por ora. Nada mais concreto.
             Os dias têm estado muito longos, meu caro. Nada tem germinado nessas terras, nem mesmo o trabalho. Os peixes começam a nos faltar, ao passo que nossa alimentação tem sido quase tão instável quanto as fases da lua que nos observa inquieta. O frio sopra muito calmo, mas dolorido, e tem deixado doente quase toda a equipe. 
             Arthur aderiu uma estranha doença. Sua pele está fisicamente horrenda por conta disso, e um estranho mal hálito exala de sua boca, a qual retém odores medonhos. Os olhos estão fundos, e os cabelos, caindo como nunca. Pobre dele e dos demais que se intitulam médicos - morrerão em breve; é só o que sabemos. Por enquanto, está preso nos porões imundos do navio. Penso que logo vão se livrar do corpo putrefato.
            Disse-nos um viajante para que procuremos raspas de lenha bruta, da qual alimentam-se os caprinos com chifres. Assim, deveremos fazer do material um desinfetante orgânico e lançá-lo junto aos depósitos para que nenhum dos outros seja afetado pela debilitação que derrubou Arthur. Esperamos poder contar com algum ligeiro socorro vindo da Grécia, onde Ícaro ainda leciona e impera.
                Não devo entrar em mais delongas, pois o tempo tem corrido contra nosso favor.
                (Uma de minhas aves está perdida. Mande-a de volta).

Edgard M.
[R.VillasBoas]

terça-feira, 14 de maio de 2013

Uma lembrança de Paliporteno

Duas luas ainda brilhavam no céu, e isso permaneceria assim até que o segundo solstício retornasse e trouxesse a calada habitual.
          O pé da Montanha de Türn-Ad-Usd já havia se dissipado em pequenos pedaços, que serviam de obstáculo aos demônios da ilha do norte que se aventuravam por ali. Nada que se plantasse vivia; nem mesmo o trabalho. Tudo era questão de ignorância. A cavalaria alada que servia de sentinela ao gigante rochedo já estava enterrada há muito tempo, vítima do ódio e do desgosto da raça oposta. Os deuses que habitavam o mais alto planalto não foram piedosos - aliaram-se aos meio-cavalos de cor vermelha, e neles fizeram crescer a dor, o mau e a sede da derrama sangrenta.
           O topo ainda estava quieto, intacto. A torre mantinha-se silenciosa e fechada, demonstrando seu luto quase eterno aos cavaleiros de cor branca que empunhavam lanças enormes. 
            Hagog nunca entendeu, e fez questão de transmitir, aos viajantes o horror perene de toda a população que já se encontrava apenas na memória fria do País de Paliporteno.
            Mesmo que longínqua, a verdade transpassava o vale, cortava o leito do rio e soprava com tristeza o alto da torre.

R.VillasBoas 

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Trecho do conto "Sobre Fernando Freire" (Parte Terceira)


O menino chamou-se Fernando, viveu nos fundos do quintal de laranjas, educado por Madeleine, a irmã de caridade. Não teve nome de família até completar cinco anos, momento este em que foi cedido à adoção. Aceitaram-lhe de bom grado. Era uma família do Porto, rica em certos costumes. Exibiam o brasão dos Freire Fera Ferreira unificado em um escudo prateado. Levaram o menino traumatizado às terras de Portugal, onde estudou línguas, piano, flauta, astronomia e, por fim, direito pela Universidade de Coimbra, com os principais métodos de Pádua.
          Fernando formou-se bacharel em anos necessários, e logo após especializou-se em retórica judicial. Não contendo-se, cursou letras e literaturas, iniciando sua fase de magistério com excelência. Logo após, mudou-se para o Rio de Janeiro, e ali permaneceu.



          Era talvez o que Fernando diria ser o ápice de muito cuidado, este responsável por toda a hipocrisia que rodeava aquela camada em que assistiam os ditos estudiosos. Todos sabiam, no entanto, que o mar de críticas advinda do homem tinha suas raízes no coito sujo, imoral e pouco julgado pelo restante de mentes a que se devia fazer jus.

R.VillasBoas 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Uma certa fulana de Cataguazes

A velha miúda já mancava com frequência;  e chegou-se a mim com os olhos arregalados, deixando que transparecesse um azulado vivo em riscos esverdeados.
          A pele não retinha flacidez alguma, e as mãos tremiam feito vara imatura. Algumas cusparadas acidentais saltavam-lhe dos lábios agitados enquanto narrava com atenção
         Contou-me a respeito da casa de irmãs em que estudara quando jovem (Era um prédio situado nas terras de Cataguazes, defronte a uma praça de centro, onde os namorados sorriam alegres). E também sobre seu magistério e suas licenciaturas tantas, que serviram de bom grado a um pobre rapaz da roça, sem dinheiro, que conseguiu alfabetizar-se pela bondade da eloquência evidente da mulher.
          Filha de suíços e italianos, havia sido criada sob princípios demasiado católicos, e a intervalos regulares, erguia suas mãos marcadas pelo tempo à glória divina.
          Seus ossos eram de ferro. Nadara de norte a sul o Rio Pomba, e isto fizera da mesma uma fulana de força e fôlego.
           Relatou-me tanto! Tudo isso em questão de pouquíssimos minutos - menos de cinco. Esqueci-me, pois, de perguntar-lhe o nome.
           A velhota deu-me as costas com um sorriso agradável, desejando-me bons votos. Levou consigo um ramo de flores amarelas minúsculas e partiu para onde minha consciência somente imagina em isenção de certezas.

R.VillasBoas

quinta-feira, 11 de abril de 2013

A Primeira Epístola

Segunda-feira, em algum lugar da costa leste - Oceano Pacífico

Caro Olavo,

Nada tem sido como as veredas distantes com as quais estávamos acostumados. O vento tem tocado forte as velas, e o cheiro de venturas e grilhões quebrados paira sobre nossos narizes.
         Não há o que comer em variedades. Abastece-nos o estômago alguns quilos rotineiros de peixe e folhas enrugadas muito amargas, que escorrem as sílabas salgadas do Pacífico. Nunca ousamos guerrear contra o escasso tom de novidades, pois em mares como estes não há vitória por parte dos terrenos leigos.
          Há certa ansiedade quando transitamos e avistamos alguma ponta de terra firme. Cruzamos, ao longe, as águas filipinas, ao passo que, logo após, enfrentamos a maré agitada da Indonésia - tudo isso em uma média de dois meses. Acredite! Paramos por poucos dias em um vilarejo que muito bem nos recebeu, situado em um distrito das Ilhas Salomão, até que pudéssemos aguardar por mais notícias. Não tardarei a fincar meus pés efemeramente em algum outro canto; então trate de responder o quanto antes.
         As aves brancas sempre saberão onde me encontrar. Jamais confie nas cinzentas.

Edgard M.
[Rafael Villas Boas]

         

domingo, 7 de abril de 2013

Lumiar, Nova Friburgo - 06 de Abril de 2013

Não eram maravilhas comuns. Eram fantasias de um meio sem limites, de muitos olhos vidrados.

          
Era talvez o que eu pudesse dizer em relação ao que vi na minúscula casinha de janelões coloniais que abrigava um acervo tremendo de muita cultura nacional. E não contentando-se em expor as raízes, deixava que floreassem as pétalas e tudo o mais.
          Tom Jobim mantinha no rosto um sorriso tremendo, juntamente com o ilustre flerte de Merilyn. Havia livros, discos, vitrolas, gramofones e uma infinidade de revistas e figuras muito bem selecionadas, todas fixadas de forma descuidada, contudo brilhante, nas paredes de pau e adubo - o cheiro era aconchegante e um pouco úmido.
          Os olhos quase saltavam em direção a tudo, e as mãos sucumbiam no desejo de poder tocar os objetos inéditos às experiências de presença física.
          Um dia, talvez, eu deva dizer àqueles que prosseguirem com minhas opções: a cultura e os versos escritos em páginas, cantados por bocas e soados por belas cordas jamais poderão encantar-vos sem que, nesse meio tempo, desperte interesse. Contudo, a suntuosidade da literatura e da música cai sobre os que são pré-determinados. É mesmo uma infelicidade do que é verdadeiro.E sou extremamente resolvido por fazer parte dessa certeza.

R.VillasBoas

'anto'

Em um surto, dois amores
Em três prantos, as dores;
Em um grito, surpiro, um canto
Em dois ou quatro amores, um santo!

R.VillasBoas

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Particularidades

Se um dia me perguntassem a respeito de minha ideia formada em relação ao Rio de Janeiro, eu diria a verdade: é um estado muitíssimo chato, que retém apenas algumas distrações, salvas estas pelos cantos e recantos de Jobim, Moares e Abreu. Por ora, não menos importantes que outros(as), aos quais devo deixar minha saudação evidente.
         O calor por aqui é elevado e muito desassociado às noções de pertinência e prudência. O sotaque é forçado, e a casualidade de sua "beleza" natural torna-se quase uma compulsão aos que aqui repousam seus olhos.
         As curvas pretas e brancas já me cansam a vista. E não existe garota que ande por aqui com lindeza ou graça:  isso são melodias.
        O quintal mineiro retém mais umidade, mais certezas na vegetação. Há por lá uma brisa fresca que canta nos ouvidos e faz com que os sonhos mantenham-se calmos. Naquelas terras encontram-se maravilhas, gostosuras, luxúrias dignas, histórias... e um fervilhão de bocas abertas que recitam poesias e gritam sonetos. A grama é bem cortada para que o orvalho sinta-se à vontade; e assim, as plantas crescem com mais felicidade, entusiasmadas.
        Ah! Como é belo o cerrado mineiro! Tem parentescos com o minério de ferro e com as estivas de ouro árduo que escorrem pelos rios, onde outrora jorrara sangue da inconfidência
         Me parece que, por lá, as letras se encaixam melhor nos textos; o bolo fica mais saboroso no forno e os refrescos, mais gelados. Não digo isso por simples amor ao (meu) estado. De fato, Minas Gerais tem estas particulardades - verdadeiras paletas de um conto sem fim.

R.VillasBoas

quarta-feira, 20 de março de 2013

Clichê

Ela era o tipo de moça que minha mãe jamais olharia com bons olhos. Não era questão de gostar ou admirar, mas sim de estabelecer rótulos medíocres - e era exatamente assim que se comportavam todas as velhas fiandeiras que vivam no largo entre a praça e a capelinha velha de poucos requintes: verdadeiras cuspideiras.
         Dois terços das terras de café pertenciam ao pai da dita infame. Os latifúndios originários do sul do estado estavam todos concentrados nas mãos de uma nobreza mesquinha de coronéis e barões não muito contemporâneos.
         Nunca houve mulher como aquela que perambulava por entre as pedras íngremes que revestiam as ruas da província. Seu caminhar melindroso enchia as bocas dos Vasconcellos e dos Justa-Pontas, reunidos em um clichê medonho de atribuir nomes a quem quer que fosse.
         Vera Albuquerque não estava isenta dos olhares; tampouco das línguas.

Fernando Freire Fera Ferreira
[Rafael Villas Boas]

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Gama Borgon

A família Gama Borgon, de todas as demais que haviam transitado por ali, era a mais fundada em princípios rígidos, éticos e pouco receptivo a novas tendências.
          Dos três filhos, dois eram bacharéis em direito pela Universidade de Coimbra, e lecionavam legislação  no Rio de Janeiro com base nos principais critérios de Pádua. No geral era o que as bocas diziam ser o orgulho dos Borgon, ou talvez dos Gama - ambos unidos em um laço forte que havia dobrado certas ilíadas até o topo de uma oligarquia inegável. 
          Ainda que dois deles houvessem requintado certa parte do nome em cujo semblante descansava a ordem de Vila Rica, certa pestana manchara ironicamente a hereditária. A filha entre o primeiro e o último dava-se aos fidalgos; vendia-se em um ato de câmbio e outras reticências de escambo.
         Não havia sequer necessidade para que a rapariga rasgasse de forma promíscua um capítulo da história daquela tirania.

Fernando Freire Fera Ferreira
[Rafael Villas Boas]

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Antes do incêndio

Eu poderia muito bem começar com “era uma vez”, mas a verdade é que não acho prudente. Fique assim, pois, esclarecido o primeiro parágrafo.
       Éramos todos da família Velantouir, de Theodore – ou pelo menos era assim que Tia Amélie nos contava. Dizia que todas as crianças do Deux Tours eram filhas de Theodore e Madeleine, sua esposa gagá. 
         O Deux Tours era um orfanato situado na periferia de Paris, onde viviam cerca de trezentas crianças de todas as idades possíveis até dada faixa. Sei, pois também vivi ali, naquele castelo cinzento que chamavam de nossa casa. Uma pinóia! Só aguentávamos, pois não tínhamos mesmo para onde ir, e Tia Amélie era muito atenciosa, como se seus filhos fossem mesmo as próprias crianças daquele horroroso lugar. Só não gostava quando ela nos obrigava a comer verduras e batata, misturadas em uma sopa rala de poucos temperos que cheirava fortemente a grama recém-aparada.
          Tia Amélie não suportava menções em seu nome.

Jean Pierre
[Rafael Villas Boas]

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O quinto epílogo

Brandenburg, dezembro de 1989

Ainda que famílias vivessem livres por ali, aquele fora de longe o cenário de outrora. Parecia, mesmo depois de certos anos, que o cheiro de sangue e pele carbonizada pairava pela densidade em cujos intervalos transitava o ar.
          Havia algum ou outro retalho de tecido acinzentado, listrado em tons de branco, retendo numerações e códigos incompreensíveis. Era possível ouvir gritos e ranger de dentes, ao passo que armas tomavam cena juntamente com um líquido avermelhado que saltava em direção às paredes.
          Tardou até que o muro caísse. Homens e mulheres puderam se amar, cultuar sua fé e usufruir de certa glória. A Alemanha parecia estar retomando seus princípios - não mais que rotinas.

Heinz F. Hoffmann
[Rafael Villas Boas]


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Soneto de Saudade

Lembro-me mesmo do encanto vivo
Onde os negros cantavam contentes
Ainda que presos entre correntes
E nas marcas ardidas, sol ativo

Saudades tenho da lenha do fogo
Sentimento de orgulho perdido
Resgatado no semblante escondido
Buscando, agora, perdões quase em rôgo

Campinas de Cipriano fugidas
Em seios tão quentes corria o verde
Perdendo os medos em faces garridas

No mastro central era a cruz tão branca
À princesa abriu caminhadas tristes
Que em sua Lei selou a nobre tranca

R.VillasBoas

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Beira-Mar

Cheiro de sal. Ondas muito agitadas, quase quebrando a tranquilidade da garota que passava por aqui, pelas areias de Ipanema. Copacabana já não passa de uma grande calçada em linhas serpentinas brancas e pretas, todas muito chatas e fixadas em uma rotina de beleza natural. Ainda resta algum belo arovoredo pelas laranjeiras e na praça do Arcoverde. Há sombras na Zona Sul e o Cristo ainda sorri de braços abertos.
          Existe por aqui um calor tremendo, que faz levantar o odor salgado do Atlântico, e também um sotaque puxado de "érris"e "éssis" em cujos esgares me perco por ora. Mas, por aqui, é possível saudar Vinícius e Tom sem ter medo de errar. A serra é logo ali acima, onde cortam algumas ferrovias enferrujadas.
            São realmente maravilhas - algumas das quais superam outras.
         Ainda penso nas Minas Douradas, onde o café pilão arde e as línguas cantam poesias. O sino bate mais forte por lá, e as estradas são mais etreitinhas, mais frias; o orvalho é mais gelado.


R.VillasBoas