terça-feira, 27 de novembro de 2012

Aube

Aquela fora de longe uma noite agradável. Jamais pude perceber o quão distantes os tatos estavam; e confrontar com isso seria o mesmo que tentar secar o marejo de um choro lupino - uma odisseia leviana.
        Era madrugada de fevereiro de 1964. As senhorinhas da casa já haviam se deitado e o silencio cortava dolorido, fincando arduamente cada ponto que vitimasse as sombras chatas e assanhadas que a mente insistia em enxergar. Duas ou três formigas pequenas rodeavam uma fatia definhada de queijo e alcaparras que a noite deixara por ali, após uma das tantas reuniões requintadas.
        Quebrei a fadiga silenciosa pela primeira vez: ativei o aparelho sonoro que ficava na sala. Ouvi Beatles por cerca de três horas seguidas, quase chorando pela Jude inocente.
         Cansei.
       Revirei quatro das cinco prateleiras e joguei alguns livros pelo aposento; não quis ler nenhum. Beberiquei duas taças do Porto e me recolhi. Aquela mudez ordinária me deixava com raiva e frenesi. Me fazia querer deturpar a madrugada silenciosa e arrogante, diferente das tardes luminosas, repletas de vinhedos claros e vivos - não necessariamente sorridentes.
       Adormeci em pouquíssimos minutos, não mais que suficientes para suspirar algumas vezes antes de cerrar as pálpebras já muito pesadas. Tudo ficou escuro e mais silencioso. Mas era um silencio que eu podia ouvir, que cativava animações. Senti duas mãos escorregarem sobre minha testa e me taparem a boca. Prenderam-me e deixaram-me ali, sem patavinas a fazer. Rumaram para outro canto, onde meus ouvidos não fossem tão eficazes e minha respiração, um empecilho. Dobraram duas vezes as escadas, batendo grosseiramente os pés feito quadrúpedes cascudos. A mulher gritou muito alto até que algumas lágrimas escorresem por entre meus esgares confusos.
          Mataram-na sem piedade. Com mãos firmes. Com anseios.
       Parecia que antes de tudo aquilo, antes de arrancarem-lhe a cabeça, a noite já se aquietava em um luto precosse (negro e frio).

R.VillasBoas

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Grito 15

Rio de janeiro, 15 de Novembro de 1889

Depois do Primeiro, do Infante e do Segundo, toda a massa burguesa ansiava por democracia.

Podem bradar-vos uns aos outros, pois cortou o céu o segundo grito de independência. E os lusos absolutistas já rumaram ao Porto.
       A espada da milícia se levanta em favor da República e dos tantos guerreiros que lutam por ela.
Venha até nós, mãe gentil! Cubra-nos com teus seios verdes, amarelos e azuis, traspassados pelo cruzeiro e pela ordem. Pois chegou-nos hoje o sorriso da pátria.
          Com os negros livres e o governo de marechais, estamos à mercê de um grande passo da história nacional.

Augusto Azevedo Couto
[Rafael Villas Boas]