segunda-feira, 29 de abril de 2013

Trecho do conto "Sobre Fernando Freire" (Parte Terceira)


O menino chamou-se Fernando, viveu nos fundos do quintal de laranjas, educado por Madeleine, a irmã de caridade. Não teve nome de família até completar cinco anos, momento este em que foi cedido à adoção. Aceitaram-lhe de bom grado. Era uma família do Porto, rica em certos costumes. Exibiam o brasão dos Freire Fera Ferreira unificado em um escudo prateado. Levaram o menino traumatizado às terras de Portugal, onde estudou línguas, piano, flauta, astronomia e, por fim, direito pela Universidade de Coimbra, com os principais métodos de Pádua.
          Fernando formou-se bacharel em anos necessários, e logo após especializou-se em retórica judicial. Não contendo-se, cursou letras e literaturas, iniciando sua fase de magistério com excelência. Logo após, mudou-se para o Rio de Janeiro, e ali permaneceu.



          Era talvez o que Fernando diria ser o ápice de muito cuidado, este responsável por toda a hipocrisia que rodeava aquela camada em que assistiam os ditos estudiosos. Todos sabiam, no entanto, que o mar de críticas advinda do homem tinha suas raízes no coito sujo, imoral e pouco julgado pelo restante de mentes a que se devia fazer jus.

R.VillasBoas 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Uma certa fulana de Cataguazes

A velha miúda já mancava com frequência;  e chegou-se a mim com os olhos arregalados, deixando que transparecesse um azulado vivo em riscos esverdeados.
          A pele não retinha flacidez alguma, e as mãos tremiam feito vara imatura. Algumas cusparadas acidentais saltavam-lhe dos lábios agitados enquanto narrava com atenção
         Contou-me a respeito da casa de irmãs em que estudara quando jovem (Era um prédio situado nas terras de Cataguazes, defronte a uma praça de centro, onde os namorados sorriam alegres). E também sobre seu magistério e suas licenciaturas tantas, que serviram de bom grado a um pobre rapaz da roça, sem dinheiro, que conseguiu alfabetizar-se pela bondade da eloquência evidente da mulher.
          Filha de suíços e italianos, havia sido criada sob princípios demasiado católicos, e a intervalos regulares, erguia suas mãos marcadas pelo tempo à glória divina.
          Seus ossos eram de ferro. Nadara de norte a sul o Rio Pomba, e isto fizera da mesma uma fulana de força e fôlego.
           Relatou-me tanto! Tudo isso em questão de pouquíssimos minutos - menos de cinco. Esqueci-me, pois, de perguntar-lhe o nome.
           A velhota deu-me as costas com um sorriso agradável, desejando-me bons votos. Levou consigo um ramo de flores amarelas minúsculas e partiu para onde minha consciência somente imagina em isenção de certezas.

R.VillasBoas

quinta-feira, 11 de abril de 2013

A Primeira Epístola

Segunda-feira, em algum lugar da costa leste - Oceano Pacífico

Caro Olavo,

Nada tem sido como as veredas distantes com as quais estávamos acostumados. O vento tem tocado forte as velas, e o cheiro de venturas e grilhões quebrados paira sobre nossos narizes.
         Não há o que comer em variedades. Abastece-nos o estômago alguns quilos rotineiros de peixe e folhas enrugadas muito amargas, que escorrem as sílabas salgadas do Pacífico. Nunca ousamos guerrear contra o escasso tom de novidades, pois em mares como estes não há vitória por parte dos terrenos leigos.
          Há certa ansiedade quando transitamos e avistamos alguma ponta de terra firme. Cruzamos, ao longe, as águas filipinas, ao passo que, logo após, enfrentamos a maré agitada da Indonésia - tudo isso em uma média de dois meses. Acredite! Paramos por poucos dias em um vilarejo que muito bem nos recebeu, situado em um distrito das Ilhas Salomão, até que pudéssemos aguardar por mais notícias. Não tardarei a fincar meus pés efemeramente em algum outro canto; então trate de responder o quanto antes.
         As aves brancas sempre saberão onde me encontrar. Jamais confie nas cinzentas.

Edgard M.
[Rafael Villas Boas]

         

domingo, 7 de abril de 2013

Lumiar, Nova Friburgo - 06 de Abril de 2013

Não eram maravilhas comuns. Eram fantasias de um meio sem limites, de muitos olhos vidrados.

          
Era talvez o que eu pudesse dizer em relação ao que vi na minúscula casinha de janelões coloniais que abrigava um acervo tremendo de muita cultura nacional. E não contentando-se em expor as raízes, deixava que floreassem as pétalas e tudo o mais.
          Tom Jobim mantinha no rosto um sorriso tremendo, juntamente com o ilustre flerte de Merilyn. Havia livros, discos, vitrolas, gramofones e uma infinidade de revistas e figuras muito bem selecionadas, todas fixadas de forma descuidada, contudo brilhante, nas paredes de pau e adubo - o cheiro era aconchegante e um pouco úmido.
          Os olhos quase saltavam em direção a tudo, e as mãos sucumbiam no desejo de poder tocar os objetos inéditos às experiências de presença física.
          Um dia, talvez, eu deva dizer àqueles que prosseguirem com minhas opções: a cultura e os versos escritos em páginas, cantados por bocas e soados por belas cordas jamais poderão encantar-vos sem que, nesse meio tempo, desperte interesse. Contudo, a suntuosidade da literatura e da música cai sobre os que são pré-determinados. É mesmo uma infelicidade do que é verdadeiro.E sou extremamente resolvido por fazer parte dessa certeza.

R.VillasBoas

'anto'

Em um surto, dois amores
Em três prantos, as dores;
Em um grito, surpiro, um canto
Em dois ou quatro amores, um santo!

R.VillasBoas

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Particularidades

Se um dia me perguntassem a respeito de minha ideia formada em relação ao Rio de Janeiro, eu diria a verdade: é um estado muitíssimo chato, que retém apenas algumas distrações, salvas estas pelos cantos e recantos de Jobim, Moares e Abreu. Por ora, não menos importantes que outros(as), aos quais devo deixar minha saudação evidente.
         O calor por aqui é elevado e muito desassociado às noções de pertinência e prudência. O sotaque é forçado, e a casualidade de sua "beleza" natural torna-se quase uma compulsão aos que aqui repousam seus olhos.
         As curvas pretas e brancas já me cansam a vista. E não existe garota que ande por aqui com lindeza ou graça:  isso são melodias.
        O quintal mineiro retém mais umidade, mais certezas na vegetação. Há por lá uma brisa fresca que canta nos ouvidos e faz com que os sonhos mantenham-se calmos. Naquelas terras encontram-se maravilhas, gostosuras, luxúrias dignas, histórias... e um fervilhão de bocas abertas que recitam poesias e gritam sonetos. A grama é bem cortada para que o orvalho sinta-se à vontade; e assim, as plantas crescem com mais felicidade, entusiasmadas.
        Ah! Como é belo o cerrado mineiro! Tem parentescos com o minério de ferro e com as estivas de ouro árduo que escorrem pelos rios, onde outrora jorrara sangue da inconfidência
         Me parece que, por lá, as letras se encaixam melhor nos textos; o bolo fica mais saboroso no forno e os refrescos, mais gelados. Não digo isso por simples amor ao (meu) estado. De fato, Minas Gerais tem estas particulardades - verdadeiras paletas de um conto sem fim.

R.VillasBoas