Última noite de verão – em algum
pico solitário de Trollheimen
Prezado Edgard,
Já faz um ano e alguns dias
corridos que recebi sua última carta, e certamente através desta que lhe envio,
saberá que não estou morto. Os dias estiveram muito árduos por aqui, e estou
tão longe de nosso povo que mal consigo criar expectativas de voltar para onde
corre o Rio em que nos banhávamos quando crianças. A maioria dos entes ficou por
lá e, longe disso, jamais estabeleci contato com qualquer um que fosse. Começo
a me esquecer dos olhos, dos sorrisos; nada é como antes.
Fui feito prisioneiro há cerca de onze
meses. Já estive na Polônia, em alguns terrenos da Rússia, e agora mantenho
morada em uma caverna baixa, aos arredores de Trollheimen, uma cadeia no
interior da Noruega. Presumo que hoje seja o último dia do verão por aqui, o
que de fato me assusta, devido às baixíssimas temperaturas.
Fiquei em estado de esmo quando li
suas correspondências, e peço desculpas por não ter nunca conseguido
respondê-las. Minha vida esteve sob a guarda de dois generais do exército do
sul. Estão cada vez mais hegemônicos pelas bandas dos Distritos de Cima e Além
Mar. Houve mortes na vila. Helena se foi, devo dizer (e espero poder
confortá-lo ao menos com esta epístola, meu caro amigo; foi brava nossa
heroína). São poucas as lembranças que tenho daqueles dias em que estivemos
comendo e bebendo à mesa, sem o poderio da guerra que cresce dia após dia. Não
mais conheço civilizações.
Um curandeiro de nome Akzüz tem me
trazido comida o quanto pode. Por vezes desaparece durante semanas. Tenho
extirpado a fome, caçando animal qualquer que apareça.
Espero que possamos nos encontrar
outra vez. Sinto falta de toda a irmandade. Aguardarei ansioso por seu retorno,
e farei orações aos Deuses Antigos para que vos guarde em cada batalha e caminho
que seguir.
Esperando que esteja bem,
Olavo Dimitri.
[R.VillasBoas]
PS: consegui escapar há cerca de
dois meses, e desde então tenho saltado de territórios frequentemente. Perdi
uma das orelhas na fuga. As aves sempre saberão onde me encontrar.