terça-feira, 21 de maio de 2013

A Segunda Epístola

Décimo terceiro dia de Agosto - Sul da Austrália

Olavo Dimitri, meu amigo, não sei realmente como relatar o quão belo é o sul do novo continente. O arvoredo presente aqui diferencia-se muito do que estamos acostumados. Chegamos há cerca de uma semana, e somente agora pude conseguir algumas folhas de papel. Fugíamos de uma matilha curiosa e também de um coletivo grande de cangurus assustadíssimos. O veleiro estacionou-se quase que por si só na margem pouco acidentada.
          Esbarramos com três corsários vindos do norte. Seguiram-nos por duas noites até que uma tempestade os afugentou. Ouvi dizer que foram engolidos pelo mar da Arábia, onde dois kappas de tamanhos inacreditáveis os engolfaram. Pensamos que os mesmos são bodes expiatórios do último Império de Expoentes. É o que nos vem à cabeça por ora. Nada mais concreto.
             Os dias têm estado muito longos, meu caro. Nada tem germinado nessas terras, nem mesmo o trabalho. Os peixes começam a nos faltar, ao passo que nossa alimentação tem sido quase tão instável quanto as fases da lua que nos observa inquieta. O frio sopra muito calmo, mas dolorido, e tem deixado doente quase toda a equipe. 
             Arthur aderiu uma estranha doença. Sua pele está fisicamente horrenda por conta disso, e um estranho mal hálito exala de sua boca, a qual retém odores medonhos. Os olhos estão fundos, e os cabelos, caindo como nunca. Pobre dele e dos demais que se intitulam médicos - morrerão em breve; é só o que sabemos. Por enquanto, está preso nos porões imundos do navio. Penso que logo vão se livrar do corpo putrefato.
            Disse-nos um viajante para que procuremos raspas de lenha bruta, da qual alimentam-se os caprinos com chifres. Assim, deveremos fazer do material um desinfetante orgânico e lançá-lo junto aos depósitos para que nenhum dos outros seja afetado pela debilitação que derrubou Arthur. Esperamos poder contar com algum ligeiro socorro vindo da Grécia, onde Ícaro ainda leciona e impera.
                Não devo entrar em mais delongas, pois o tempo tem corrido contra nosso favor.
                (Uma de minhas aves está perdida. Mande-a de volta).

Edgard M.
[R.VillasBoas]

terça-feira, 14 de maio de 2013

Uma lembrança de Paliporteno

Duas luas ainda brilhavam no céu, e isso permaneceria assim até que o segundo solstício retornasse e trouxesse a calada habitual.
          O pé da Montanha de Türn-Ad-Usd já havia se dissipado em pequenos pedaços, que serviam de obstáculo aos demônios da ilha do norte que se aventuravam por ali. Nada que se plantasse vivia; nem mesmo o trabalho. Tudo era questão de ignorância. A cavalaria alada que servia de sentinela ao gigante rochedo já estava enterrada há muito tempo, vítima do ódio e do desgosto da raça oposta. Os deuses que habitavam o mais alto planalto não foram piedosos - aliaram-se aos meio-cavalos de cor vermelha, e neles fizeram crescer a dor, o mau e a sede da derrama sangrenta.
           O topo ainda estava quieto, intacto. A torre mantinha-se silenciosa e fechada, demonstrando seu luto quase eterno aos cavaleiros de cor branca que empunhavam lanças enormes. 
            Hagog nunca entendeu, e fez questão de transmitir, aos viajantes o horror perene de toda a população que já se encontrava apenas na memória fria do País de Paliporteno.
            Mesmo que longínqua, a verdade transpassava o vale, cortava o leito do rio e soprava com tristeza o alto da torre.

R.VillasBoas