quinta-feira, 26 de julho de 2012

Olga

Quando cheguei ao arraial de Santa Cruz do Cabo Torto quase morri de desgraças: era uma localidade muito atrasada. Diferente das tantas que eu havia frenquentado nos requintes da capital da província... todos muito suntuosos, fazendo jus aos bens do império luso nojento com o qual tínhamos de conviver sutilmente.
            Santa Cruz do Cabo Torto era um lugar calmo, confesso. Porém retraído em outros costumes. Não podíamos assistir a grandes peças, por exemplo; tampouco frequentar exposições das vanguardas do ocidente, o qual nos acossava. Mas não reclamo em excesso, pois foi lá que conheci Olga - uma péssima mulher! Mas eu a amava, e não nego.
            Ficamos tanto tempo juntos que acabei aderindo sua tuberculose incessante. Morri em poucos meses, pobre de mim.
            Ela nada sabia fazer: não cozinhava, não costurava, não tinha dote algum. Uma imprestável. Talvez a única essência positiva provida daquela seria a de domar esse músculo cardíaco tão grosseiro que batia em eu peito robusto, que agora já serve de pó aos vermes.
            Mas, veja bem, hoje Olga virou páginas. E eu, um bando de cinzas. Mesmo morta, aquela cerva dos demônios ainda consegue me superestimar.
            Não sei porque tive coragem de contar tudo isso. Estou morto! Não dêm ouvidos nem atenção às palavras de um defunto.


Fernando Freire Fera Ferreira
[Rafael Villas Boas]