quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Antes do incêndio

Eu poderia muito bem começar com “era uma vez”, mas a verdade é que não acho prudente. Fique assim, pois, esclarecido o primeiro parágrafo.
       Éramos todos da família Velantouir, de Theodore – ou pelo menos era assim que Tia Amélie nos contava. Dizia que todas as crianças do Deux Tours eram filhas de Theodore e Madeleine, sua esposa gagá. 
         O Deux Tours era um orfanato situado na periferia de Paris, onde viviam cerca de trezentas crianças de todas as idades possíveis até dada faixa. Sei, pois também vivi ali, naquele castelo cinzento que chamavam de nossa casa. Uma pinóia! Só aguentávamos, pois não tínhamos mesmo para onde ir, e Tia Amélie era muito atenciosa, como se seus filhos fossem mesmo as próprias crianças daquele horroroso lugar. Só não gostava quando ela nos obrigava a comer verduras e batata, misturadas em uma sopa rala de poucos temperos que cheirava fortemente a grama recém-aparada.
          Tia Amélie não suportava menções em seu nome.

Jean Pierre
[Rafael Villas Boas]

Um comentário:

  1. Eis as duas qualidades que prezo em um escritor: o íntimo, o pequeno, o detalhe e a capacidade de ser um outro, ou como diria Derrida, meu pai, "ao escrever, o sujeito se ausenta da escrita, deixando-se percorrer por conta própria sempre o mesmo traçado". A única coisa que me desagrada, desculpe a sinceridade, é uma vontade, ou melhor, uma gana que estas poucas linhas fossem um romance inteiro, capaz de me fazer desejar nunca mais fechar este possível romance.

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