Sinhá Mariana era o tipo de moça
que cabia em qualquer conversa de gente decente – diziam sempre os holandeses
que haviam se instalado na Província. Era donzela de finos requintes, ainda que
não os exibisse de forma gutural. Suas tranças pareciam feitas do bicho da
seda: brilhavam feito asa de mosca grande, quando batidas ao sol. Era a
pretendida de Raul Dos Distritos de Cima. Não o queria.
Mariana foi-se tão cedo dessa vida
quanto pôde chegar. Não aguentou por muitos dias a vergonha de ser tida por
gente ignorante, como o eram as mulheres daqueles tempos passados, sem muitos
direitos garantidos. Mariana não se retinha aos nós dos lenços, tampouco aos
pontos cruzados do bordado que vestia sua avó eloqüente. A moça ensinava o
alfabeto aos negrinhos sem vernáculo, para depois, então, história, música e a
geografia maravilhosa das terras douradas em que se carpia o ódio republicano.
Era uma vida repleta de enclaves, vindos dos escravocratas. Mariana os odiava –
não dava-se com o pai.
Havia estudado Línguas e Literaturas
nos quintais de Coimbra; havia se apaixonado pelo palco acadêmico; queria
sê-lo; não podia por ora.
Foi quando matou-se feito um pássaro.
Envenenou-se da forma mais trágica que não consta nos livros. Bebeu de seu
próprio vinho, tocou piano, escreveu dois sonetos, rasgou tudo o que vestia e
protegia sua intimidade. Jogou-se estirada no corredor em que transitavam os
capatazes, abraçada a três livros muito antigos, que tinham-na feito companhia
nas noites da universidade. Mariana parecia dormir, e em seguida cobriram-na
com seda escura, uma rosa branca entre os dedos; e a imagem do nazareno
estampado na cruz vinha consigo no pescoço.
Mariana de Albuquerque tentou ensinar
aos negros. Teve-se por louca. Mariana amou o conhecimento e parece ter firmado
com este um casamento de muitos anos correntes. Era uma mulher que ultrapassava
os limites das outras. Deveras, fez-se certa. Ah, Mariana! Há quanto tempo não
recebo cartas suas!
R.VillasBoas