sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Crônica de um Inverso

Já imaginou tudo bem alinhado, andando em passadas medidas e percorrendo traços firmes? Já imaginou madrugadas claras e sem silêncio... sem cochicho? Imaginou o inverso, se tudo corresse contra as rotinas?
          Mães desenterrariam seus filhos muito velhos - ou jovens demais - e descobririam que a alma já havia lhes deixado a carne; então sentariam por alguns minutos até que um bando de anjos lançariam ao corpo a vida que já faltava, mas que doravante seria soprada. Então os velhos filhos começariam a rejuvenescer calma e lentamente; trocariam as camas por cadeiras de balanço e começariam a pescar. Deixariam as aposentadorias e iriam ingressar na carreira de trabalho, do topo à base. De grandes chefes e gerentes, tranformariam-se em funcionários de fidelidade, depois recém-formados, estagiários, e por fim começariam a aprender sobre o que tanto havia sido feito.
          Em seguida, da fase adulta entrariam na adolescência, para então alcançarem a puberdade. Logo tornariam-se crianças espertas, rebeldes; e então: inocentes, carentes e sem pecado. Como em um piscar de olhos desaprenderiam a andar, perderiam a fala e voltariam aos seios maternos. Com o tempo regredindo, seriam sugadas pelo útero e ali permaneceriam quentes e confortáveis, até que o volume de suas células fosse reduzido, despedaçado e desmembrado, como a morte mais bela e graciosa do fim de um capítulo.
          Pois os frutos, assim, perderiam o mal cheiro, as cores de putrefação; ficariam bonitos e ganhariam tons de verde, até que, reduzidos, pudessem esconder seu corpinho quase nu e se tranformassem em flores grandes e repolhudas. E por fim, seriam desmembrados em pontinhos de fecundação e partiriam para o fundo escuro da terra.

R.VillasBoas

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